Funeral na Escócia

Recentemente, compareci ao meu primeiro funeral na Escócia. Fui prestar as últimas homenagens à tia de meu marido, a qual eu tive o prazer de conhecer algumas semanas antes. A família já vinha se preparando para a despedida eminente, lidando com a progressão do temido câncer de intestino (ou colorretal, que é a segunda maior causa de mortes por câncer no mundo, segundo a OMS). Ainda assim, um momento inevitavelmente triste. 

Fui orientada a vestir-me de preto e a não levar flores. Diferentemente de como ocorre no Brasil, onde o que se vai vestir não importa nessa ocasião e flores são bem-vindas. O uso da cor preta para representar o luto é uma herança da Idade Média e, no Reino Unido, essa tradição se tornou ainda mais forte com o luto eterno da Rainha Vitória, que durou 40 anos até a sua morte. 

No local do velório, o crematório municipal instalado em um terreno com lindos jardins, os homens aguardavam de terno e gravata e as mulheres de tubinho ou conjunto social para adentrar à capela. Primeiro, os parentes mais próximos. 

Clique nas fotos para ampliá-las


Apesar do afrouxamento de algumas restrições impostas durante a pandemia, conforme os casos de covid-19 foram diminuindo no Reino Unido, havia um limite de até 40 pessoas permitidas no local, além da obrigatoriedade do uso de máscara, álcool em gel e distanciamento social. É assim que países sérios agem. Tudo bem que lá no início o primeiro ministro do Reino Unido (o espantalho do Boris Johnson) insistiu na ideia de imunidade de rebanho, que logo caiu por terra. Ele mesmo contraiu a doença e acabou sendo internado, mas isso é outra história.

Vale dizer aqui que o distanciamento social não foi possível, já que familiares e amigos acabam por dar beijos e abraços de consolo. Assim como ocorre entre os brasileiros, velórios se tornam oportunidades para colocar o papo em dia e conhecer novos membros da família (no caso, eu! rs). Bem, recebemos um folheto com a foto da tia do meu marido e uma vez todos dentro da capela, cada um sentou em uma cadeira. Habituada à figura de um padre ou pastor incumbido das homenagens finais, me surpreendi com a presença de um humanista. O Humanismo deposita suas crenças na ciência e na razão e não em religiões e seres divinos.

Pelas palavras do celebrante, Vida (sim, esse era seu nome), que partiu pouco antes de completar 77 anos, teve uma vida empolgante. Trabalhou, estudou, conheceu o amor de sua vida, com quem teve dois filhos - que lhe deram netos - e viajou o mundo todo, vivendo 20 anos em Hong Kong. Quando adoeceu, descobriu na cerâmica um agradável passatempo e até nos presenteou com um de seus mimos. Pergunto-me se ela sabia o significado de seu nome na língua portuguesa e também espanhola, mas acredito que sim, uma vez que um dos lugares por onde passou foi o Brasil. 


Foi uma bela e objetiva homenagem, com uma pausa para reflexão ao som de Requien em D Menor de Mozart e encerramento com a inconfundível gaita de foles presente na música Highland Cathedral. Essas ocasiões nos fazem refletir sobre o que queremos levar conosco quando partirmos e o que gostaríamos de deixar como legado.

Uma tradição daqui e que eu considero muito válida para ser aplicada também no Brasil é a distribuição de donativos para doação a uma instituição. No caso da tia do meu marido, ainda em vida ela escolheu a Cancer Research. 

Fim da cerimônia, ninguém mais fica na capela para velar o corpo, como fazemos no Brasil. Os participantes são convidados a se juntar aos membros da família em uma recepção. Neste caso, ocorreu no salão de um hotel próximo ao crematório. Foram servidas comidinhas e bebidas, incluindo vinhos branco e tinto e, claro, whisky! Foi um momento de muita descontração e risadas, ou seja, nada diferente dos brasileiros.

Comentários